Bora aproveitar que o respeitável filósofo Zygmunt Bauman está chegando ao Brasil e falar sobre duas ou três coisas que eu sei sobre a fragilidade dos laços humanos.
Falar nisso, o prezado amigo e a estimada rapariga sabem de que filme é a cena aí abaixo? Só sei que é bonito e diz respeito ao tema. Amnésicos corações. Nada mais.
Caso tenham alguma dica sobre a película, favor deixar um comentário para este desmemoriado blogueiro.
Bora aproveitar, repito, para discutir, ou simplesmente tirar uma onda cronicamente inviável, sobre o “Amor Líquido”(ed.Zahar), o ótimo livro desse cara que não sai da roda e da moda e que, com licença da sacanagem, empata tanta phoda.
É, meu caro Bauman, é cada vez mais difícil saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero...
É namoro ou amizade? Rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura clandestinidade?
“Qualé a sua, rapá?!”, indaga a nobre gazela.
E o homem do tempo nem chove nem molha. Só no mormaço, só na leseira das nuvens esparsas.
No tempo do amor líquido tudo escorrega.
Vacila o homem, que é a nova fêmea.
Vacila a fêmea, que mais parece, em atitude, um novo macho.
Sinais trocados.
O certo é que nessa confusão toda é cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico, o cara nervoso, se tremendo como vara verde: “Você me aceita em namoro”?
O tempo passava e vinha mais um pedido igualmente tenso. O pedido de noivado.
Mais adiante, a hora fatal, mais uma tremelica do jovem mancebo: Você me aceita em casamento?
E pedir a mão,aos pais, meu Deus, haja nervosismo, melhor tomar na esquina a cachaça da coragem.
São raros os nobres pedidos. Em alguns setores mais modernos e metropolitanos, digamos assim, talvez nem existam mais. Mesmo.
No tempo do “ficar” quase nada fica, nem o amor daquela rima.
Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios.
Tanto quanto um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um email de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito, daqueles que tiram o gloss e a força dos membros inferiores e superiores.
“Vamos pegar uma tela, amor?”, como se dizia não muito antigamente.
Eis a senha.
Mais até do que um jantar très-romantic no bistrozim, que pode guardar apenas um desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo-jogado e marketeiro.
O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de Severiano Ribeiro, é a maior bandeira.
Nada mais simbólico e romântico.
Os dedos dos dois patinhos na lagoa se encontrando no fundo do saco das últimas pipocas...
Não carecem uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra.
Salve o silêncio.
No cinema como na vida.
Chega de revelações e precoces besteiras.
Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi. Nada mais os unia do que o silêncio, escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo Mendes, poeta dos melhores e mais líricos.
Palavras, palavras,palavras...
Silêncio, Silêncio, silêncio...
Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito. Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate.
Escrito por Xico Sá; Ilustrada. Folha de SP em 12/05/2011